
Casa Semente
local
São Carlos - SP
ano
2023
área
150 m²
tipo de projeto
Reforma
A Casa Semente é um projeto simbólico e pessoal. Representa meu primeiro trabalho como arquiteto formado e, ao mesmo tempo, o primeiro lar de um casal de amigos que me procurou para imaginar o design de interiores de uma casa que estavam alugando. Após se mudarem, porém, enfrentaram um episódio traumático: a casa foi invadida durante a madrugada. O incidente os fez deixar o local. Mas a vivência breve – e intensa – naquele espaço me instigou a olhar para ele com novos olhos. O fato de que o projeto não seria mais executado me fez olhar para ele de forma mais conceitual.
Foi a partir daí que nasceu a Casa Semente como conceito. Um exercício de imaginação, sensibilidade e responsabilidade: como transformar o que já existe, respeitando o contexto e ampliando suas potencialidades? Como criar conforto e segurança sem demolir e recomeçar? A resposta veio por meio de uma reforma consciente – uma abordagem fundamental na arquitetura sustentável e na bioconstrução.

Reimaginar o que já existe: reforma como ato ecológico
O projeto parte de um princípio importante: nem todo espaço precisa ser construído do zero. Reformar também é um ato de criação — e, sob a ótica ecológica, é quase sempre a escolha mais responsável. Reduzir o uso de novos materiais, manter estruturas existentes e atualizar com inteligência são práticas alinhadas com os princípios da construção ecológica.
Ao analisar a planta original, alguns problemas se destacaram:
Falta de privacidade, com ambientes voltados diretamente para a rua;
Ventilação comprometida, exigindo que portas e janelas ficassem abertas;
Cozinha estrangulada, com circulação difícil;
Corredor lateral estreito, inferior ao mínimo normativo de 1,5m;
Ausência de área externa de convivência, essencial para o bem-estar e a reconexão com a natureza.


Privacidade, integração e linguagem natural
Para devolver privacidade e criar uma relação fluida com o ambiente externo, a entrada principal foi transferida para a lateral da casa. Ao remover parte do telhado de um quarto e da sala, aproveitei elementos já existentes – como o portão lateral e uma antiga porta – para gerar um novo percurso de chegada. Assim, nasceu uma zona de transição entre o interior e o exterior.
Esse reposicionamento criou também oportunidades para melhorar a ventilação cruzada e integrar melhor a casa com o clima local. A materialidade do projeto reforça essa intenção: tijolos expostos da alvenaria existente, aberturas em arco e curvas que evocam a natureza e dispensam estruturas rígidas como vigas.


Ventilação natural, luz e sombreamento como estratégias de conforto
Inspirada em soluções vernaculares de climas quentes e secos, a Casa Semente incorporou duas estratégias sofisticadas de ventilação natural:
Torre de vento, que capta brisas mais frescas em altura e as direciona para dentro da casa;
Chaminé solar, que utiliza a radiação solar para aquecer o ar e criar uma corrente que renova constantemente o interior.
Além disso, aberturas voltadas ao sul – protegidas do sol direto – garantem conforto térmico e luminoso durante o ano todo. A torre de ventilação foi posicionada sobre a mesa de trabalho do home office, otimizando a iluminação e a qualidade do ar nesse espaço de permanência prolongada.
As madeiras removidas do antigo telhado foram reaproveitadas para criar um pergolado no novo corredor de entrada. Esse elemento não só emoldura a chegada à casa, como dá suporte a plantas trepadeiras responsáveis por resfriar e umidificar o ar que atravessa o espaço. Uma solução bioclimática simples, eficaz e poética.


Viver o cotidiano com presença: casa como refúgio e reconexão
A luz é tratada como elemento arquitetônico de primeira ordem. Na sala, uma janela alta associada a uma prateleira de luz faz com que a iluminação natural rebata no teto e se espalhe suavemente pelo ambiente. Já o corredor lateral, antes subutilizado, foi integrado à casa e coberto por uma claraboia voltada ao sul, proporcionando iluminação difusa e constante, sem sobreaquecimento.
Um dos antigos quartos se transformou em um espaço de trabalho iluminado e ventilado naturalmente, com vista para duas áreas externas. A posição da mesa sob a torre de ventilação garante bem-estar ao longo do dia, e o desenho do ambiente respeita tanto a produtividade quanto a reconexão com a natureza.
O projeto contempla não apenas a fachada, mas também o fundo do lote. Ali foi criada uma área de descanso com banco contínuo para momentos ao sol, além de um espaço técnico para o gás – ausente na planta original. A presença de áreas externas sombreadas e vegetadas reforça a ideia de que a casa pode ser um abrigo, mas também um lugar de pausa, contemplação e presença.

